Olá pessoal. Como estão? Maio chegou e já posso falar com vocês sobre o livro de abril do Intrínsecos, o clube de assinatura de livros da editora Intrínseca. O escolhido para vir na caixinha de número #7 foi “Ponti”, livro de estreia de Sharlene Teo, autora de Cingapura, cujo é o cenário da sua obra. Lembrando que fiz um unboxing dessa caixa aqui, é só clicar. Mas vamos ao que interessa por hoje, certo? Vamos lá!

Resumindo a obra, conhecemos três mulheres/garotas: Amisa, Szu e Circe. As três são o mote do livro, que é contado das perspectivas delas em diferentes épocas. Amisa é mãe de Szu e, na década de 1970, foi a escolhida para protagonizar três filmes sobre pontianak, uma criatura da mitologia malaia, meio que um fantasma que aterroriza os homens. Esse foi seu único papel, no entanto, em um filme que não teve muito reconhecimento, nem de crítica, nem de público. De qualquer maneira, Amisa ficou muito conhecida pelo icônico papel, mas não teve o reconhecimento que queria, mesmo sendo linda como é. Szu é muito marcada por isso, pela beleza da mãe, que não é nada parecida com a filha e controladora e até um pouco cruel. Circe é uma amizade inesperada que acontece na vida de Szu e que também a muda para sempre.

Eu penso que não existe uma trama nesse livro. É mais uma reflexão, de início ao fim, sobre amizade, sobre a relação de mãe e filha, e também sobre a cultura de Cingapura, como ela, de certa forma, interfere nessas relações. Além disso, é uma história que fala de bullying, ainda que de uma forma muito discreta e pertinente, uma vez que isso é algo que conecta as duas garotas, enquanto estudam juntas. Mas como eu disse, não há uma trama em que tem uma linearidade de início, meio e fim. É mais uma obra sobre relações e reflexões, apenas isso. Mas isso não é tudo, pois as reflexões são importantes. Além do que já falei, é um livro que fala da beleza, do tempo principalmente, das tristezas, do abandono. Enfim, sobre a vida.

Achei interessante a escolha da autora de contar a história dessas três mulheres, que se ligam de alguma forma, de perspectivas diferentes, não apenas do ponto de vista da pessoa, mas também da época. Enquanto Szu conta sua própria “parte” da história, em primeira pessoa, no ano de 2003, Circe conta, também em primeira pessoa, as suas lembranças, lá no ano de 2020. Circe e Szu já não são mais amigas, a primeira tem sua vida “feita”, um casamento arruinado e um trabalho relacionado com cinema. Ela não sabe de Szu mais, há muito tempo as duas perderam contato, e a própria Circe nos conta como isso aconteceu.

Já Amisa, nos é contada em terceira pessoa, desde a época de 1970, quando decidiu sair das casas dos pais e alçar novos voos e, então, conhece um produtor, que fica fascinado por sua beleza “assustadora” e consegue colocá-la na trilogia de filmes “Ponti!”, baseada na mitológica pontianak. Mas foi interessante essa diferença de narrativas e de épocas pois, enquanto uma conta o auge da história, no caso Szu, a outra, Circe, conta as lembranças dessa época e como isso influenciou sua própria vida. Já a terceira, Amisa, nos é contada sua trajetória até chegar ao momento em que Szu conta a história, tudo o que a levou ser quem é, cruel e triste como é.

Tenho que dizer que a autora consegue descrever com uma certa “normalidade” a cultura de Cingapura. O clima, principalmente, cheiros, culinária, enfim. É tudo colocado de uma forma sutil e aos poucos no meio da história, como eu disse, com normalidade. O que quero dizer é que ela não força a descrição dessa cultura tão diferente. Ela faz como se nós conhecêssemos Cingapura, as comidas, o clima. E, do ponto de vista nosso, do Brasil, até tem uma semelhança com a nossa cultura. Principalmente em relação ao clima. Claro que a intenção da autora não era necessariamente essa, mas creio que seu intuito era atentar para as diferenças da cultura, para que cada pessoa lesse o livro de uma forma diferente e, ao mesmo tempo, que pudesse relacionar com seu próprio tempo e cultura.

A amizade de Szu e Circe foge de todos os estereótipos que eu conheço de uma amizade. Szu é uma garota que não é feliz com a vida que tem. Ela reclama do início ao fim do livro, e isso tem uma explicação, é claro. Circe, por outro lado, é diferente. Ela tem uma boa vida, mas também não é daquelas garotas “mimadas” e as duas se conhecem meio que por acidente. Mas quando isso acontece, é quase como um ímã, é uma amizade natural. Ainda que as duas sejam totalmente diferentes, é meio que um encaixe perfeito. Mas é, também, uma amizade que tende ao fracasso, principalmente por Szu e Circe serem tão diferentes. E, creio eu, essa é mais uma reflexão que a obra faz.

Quando eu disse que não é um livro que tem uma trama com começo, meio e fim, quero dizer, também, que não é uma leitura fluída. Esse é mais um livro que não é o estilo de leitura que estou acostumado a ler, e isso é muito bom, e mais uma vez me sinto feliz por ter assinado esse clube, pois é um livro surpresa todo mês e não temos o direito de escolher um que nos agrade mais. Pois bem, “Ponti” não é um livro que eu provavelmente escolheria para comprar. Talvez se alguém me indicasse, quem sabe. Mas realmente, não foi uma leitura “fácil”. Isso não é uma crítica ao livro, pois eu gostei da história, só não é um livro que consegui desenvolver com facilidade. Acho a narrativa objetiva, mas em certos momentos, foi difícil “engrenar”.

Enfim, para finalizar, eu acho que um termo que define bem a experiência de ler um livro como esse, é sair da zona de conforto, totalmente. Isso não tem como discutir, pelo menos para mim e para quem não está acostumado a ler obras como essa. Acho que para um livro de estreia de Sharlene, está muito bem. Vi apenas um errinho de sequência (uma parte do livro em que Szu fala de uma revista do ano de 2013, sendo que o momento que ela está é 2003), mas pode ter sido apenas um erro de digitação, não sei bem. De qualquer maneira, valeu a pena a leitura, pois eu não poderia dizer o contrário.

Acho que cada um vê de uma forma as coisas, mas pra mim, toda leitura vale a pena. Mesmo que você não goste, você consegue absorver algo de todo livro. Inclusive, cito uma frase desse livro que eu guardarei, de uma parte da narrativa de Szu, ainda em 2003: “Tenho dezesseis anos e meio e estou começando a perceber que a vida às vezes acontece assim: depressa, sem maiores concessões. Você acha que ainda tem décadas de vida e de repente o tempo acaba.” E com isso, finalizo essa resenha dizendo: leiam essa obra, mesmo que não seja o tipo de livro que estão acostumados a ler, ou não gostem desse estilo. Valeu a pena pra mim e, creio, valerá pra você também. Até mais!

Ficha técnica:

Ponti

Autora: Sharlene Teo

Editora: Intrínseca/Intrínsecos

Ano: 2019

274 páginas

Por Douglas Oliveira

Jornalista, leitor voraz e apaixonado por música. Fantasia ou thriller são as escolhas preferidas, mas gosta de se aventurar em toda leitura que o faça sair da zona de conforto.

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