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Olá, leitores. Bem-vindos a dezembro, esse mês lindo, certo? E começamos muito bem por aqui, como de praxe, falando sobre o livro de novembro do Intrínsecos, o clube de livros da editora Intrínseca. Trata-se da obra “Os segredos que guardamos”, de Lara Prescott. Esse é o livro de estreia da autora e não poderia ser melhor: um romance histórico, que retorna à Guerra Fria, especificamente um momento da história que impactou tantas pessoas envolvendo os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), hoje Rússia: o romance Doutor Jivago, do russo Boris Pasternak. Aproveite a leitura:

Nesse livro, Lara Prescott dá voz a personagens reais da história e mistura realidade e ficção numa trama envolvente sobre a guerra, romances, amor, traições, prisão, e como um livro pode ser considerado uma arma. De um lado (o Oriente), temos o próprio autor de “Doutor Jivago”, Boris Pasternak, e sua amante, Olga Ivinskaia. A autora conta a jornada dos dois durante a escrita do romance, que antes mesmo de ser finalizado, já causava polêmica por ser “contra o país”, pelo menos na visão da URSS, e também sobre as consequências desse romance.

Do outro lado (Ocidente), temos os detalhes de uma missão dos Estados Unidos, por meio da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), que começava a dar seus primeiros passos depois do fim da OSS (Agência de Serviços Estratégicos), criada na 2ª Guerra Mundial. A missão era justamente fazer com que o romance de Pasternak chegasse às mãos dos russos, revelando a verdade sobre a “pátria amada”. E há, ainda, as datilógrafas, que revelam os bastidores dessa missão de uma forma diferente.

O romance é basicamente isso: os bastidores de toda essa missão da CIA, as conversas das datilógrafas que eram as responsáveis por datilografar conversas importantes e que tinham uma opinião sobre vários assuntos, entre eles, o papel de Irina Drozdova, recém-contratada para o mesmo cargo que elas, mas que também tinha outro “cargo” em destaque. Isso tudo mostra a profundidade da história de Lara Prescott, narrando, em sua perspectiva, o processo de escrita de “Doutor Jivago”, e a missão de colocar exatamente esse livro nas mãos dos então soviéticos, já que o livro retratava a “realidade” da URSS em plena Guerra Fria. Ou seja, o livro era uma arma.

Confesso que eu fiz a sábia escolha de ler a revista que veio junto ao livro antes de iniciar a leitura do romance. Isso porque me ajudou a entender a história logo no início. Não que seja confusa. O que quero dizer é que sem a leitura da revista, eu não entenderia, talvez, essa profundidade que o livro nos traz, principalmente dando vida a personagens reais dentro de uma história ficcional, mas que reconta esse momento histórico da Rússia e do mundo. No entanto, sem a leitura da revista, o leitor não fica perdido – pelo contrário, a autora nos situa muito bem ao momento que vivemos, e nem precisávamos saber se Pasternak e Olga eram reais ou não.

Foi uma ideia brilhante da autora pegar esse fato histórico e transformá-lo em ficção, se utilizando de personagens reais e fictícios. Eu confesso que não conhecia esse momento da Guerra Fria, apesar de gostar de ler sobre (ainda que não tenha lido muitos livros sobre, apenas artigos etc). É um livro que agrega muito nesse sentido. Me peguei pesquisando diversas coisas sobre a Guerra Fria, a 2ª Guerra Mundial, Pasternak e Olga, os gulags (campos de trabalho forçado da URSS), enfim. É um romance que, ao mesmo tempo, entretêm e nos instiga a conhecer a história real desse momento do mundo.

A narrativa da autora, em primeira e terceira pessoa, “pega” já no início, até pela agilidade, mesmo voltando tantos anos na história. Logo de início, quando começamos a ler, o primeiro pensamento que nos ocorre é: “precisamos chegar ao fim pra entender toda essa trama e os destinos de tantas pessoas”. Esse foi meu exato pensamento. Tanto é que as primeiras 100 páginas passam rápido. E nessas primeiras 100 páginas, somos introduzidos à história que a autora quer contar.

Primeiro, ela nos apresenta aos personagens principais, mas já nos dando uma ideia do mote do livro, e os personagens que estão envolvidos nisso. Do lado russo (o Oriente), temos a própria Olga Ivinskaia, amante de Pasternak. A autora dá voz a ela, como se recontasse esse momento da vida de Olga. Pode não ter acontecido exatamente assim, mas a história se assemelha à realidade. Já no Ocidente, nos Estados Unidos, temos várias personagens: as datilógrafas da CIA, a agente Sally Forester e Irina – todas envolvidas, de alguma forma, no que tornou-se a Missão Jivago.

A narrativa mais interessante, de início, foi das datilógrafas. A autora narra essa parte na terceira pessoa do plural. É como se todas elas fossem uma voz. Isso foi muito interessante, por remeter a uma outra pegada do livro: o feminismo e mulheres tentando escrever suas próprias histórias. Elas eram um grupo de pessoas que nem todos viam a relevância de seu papel nessa guerra, mas eram elas que “guardavam os segredos”. Eram elas que ouviam tudo e precisavam colocar tudo no papel. E também eram elas que observam tudo o que acontecia ao redor delas, quando chega Irina, depois Sally. Enfim, elas representam o contexto fora da missão da agência americana.

O desenvolvimento do livro é muito interessante, realmente nos colocando em perspectiva daquela época, o que demonstra que a autora estudou muito sobre a história real. E há dois lados nessa obra. Temos o drama, presente e característico na vida de todas as pessoas envolvidas na história, com suas vidas particulares também sendo contadas, mas mais presente nos personagens de Pasternak e Olga. E temos a história, de fato, sendo contada por meio de uma ficção, mas que remete muito ao que de fato aconteceu com duas nações e às pessoas que viveram nelas durante essa época.

A obra também nos coloca nos bastidores das tramas conspiratórias, dos gulags, dos perigos pelos quais os agentes secretos da agência americana passavam, ou representavam. Enfim, é realmente fascinante essa parte da história, e o drama vem como uma união, para nos dizer que todas aquelas pessoas tinham vidas, tinham problemas particulares, tinham amores roubados, sonhos inalcançáveis, enfim. É o lado humano da história, sabe? E as missões de Irina e de Sally dão a agilidade e a ação, ainda que não envolvesse armas. Não era nada 007. É se disfarçar, se infiltrar e transmitir a mensagem.

A conclusão dessa história veio com um gostinho de “quero mais”, eu diria. Tipo, eu queria saber o destino daquelas pessoas, apesar de a autora deixar dicas do que aconteceu com elas, além de deixar para que nossa imaginação preencha as lacunas que deixou, assim como ela fez ao preencher com ficção a parte da história de Boris e Olga que não conhecemos. O destino dos dois, já sabíamos qual era, exatamente por ser um fato histórico – e, claro, eu pesquisei tudo o que podia sobre os dois, pelo menos o que há online.

Por fim, acredito que podemos resumir esse livro como os bastidores de uma missão, da escrita de um livro poderoso como uma arma, e as tantas pessoas influenciadas pela guerra. É uma história de amor e paixão. Sobre as mulheres querendo escrever suas próprias histórias, sobre o nacionalismo, sobre um homem que queria se expressar (e expressar a verdade), sobre a crueldade dos campos de trabalho e a marca que deixou nas pessoas que eles (URSS) consideraram traidores (em uma narrativa que me lembrou muito a descrição de como eram lugares como esse durante o nazismo). Enfim, é um livro intenso, com um simbolismo muito presente, de diversas ideias, e que resumem o que foi, em partes, a Guerra Fria.

E é isso pessoal. Amei conhecer esse capítulo da história dessa guerra, ainda que pela ficção. O que eu espero ter deixado claro nessa resenha é que a obra é, de fato, ficção, com elementos históricos e reais e, por tudo isso, ela reconta esse momento nos instigando a conhecê-lo melhor. Simplesmente amei o livro e, para sua primeira obra, creio que a autora trabalhou muito bem. Fica a indicação, quando ele for oficialmente lançado.

Agora me contem vocês sobre o que acham desses romances históricos? Eu sou fascinado por obras que falam de guerras. Aguardo o comentário sobre o que acharam dessa resenha, ok? Até a próxima!

Ficha técnica:

Os Segredos que Guardamos

Autora: Lara Prescott

Editora: Intrínseca/Intrínsecos

Ano: 2019

365 páginas

Por Douglas Oliveira

Jornalista, leitor voraz e apaixonado por música. Fantasia ou thriller são as escolhas preferidas, mas gosta de se aventurar em toda leitura que o faça sair da zona de conforto.

2 thoughts on “Resenha: Os segredos que guardamos – Lara Prescott”

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