Olá, pessoas, tudo bem? Hoje trago a resenha de “A outra garota negra”, de Zakiya Dalila Harris. Esse foi o livro de agosto do intrínsecos, clube de assinatura da Intrínseca. Eu gostaria de dizer que foi uma grata surpresa, mas a história não me prendeu como eu esperava. Contudo, é preciso levar em conta o contexto do livro e como ele se espelha em nossa sociedade. Enfim, espero que aproveitem a leitura dessa resenha:
A HISTÓRIA DE “A OUTRA GAROTA NEGRA”
Trabalhar para a Wagner Books foi uma das melhores coisas que poderia acontecer com Nella Rogers. Afinal, a famosa editora em Nova York é o local ideal para desenvolver sua carreira na edição de livros. Hoje, ela ocupa o cargo de assistente editorial da Wagner, e poderia ser mais uma entre tantas outras, se não fosse por um fato: ela é a única negra da editora.
Isso significa, em outras palavras, se sentir deslocada num ambiente dominado por pessoas brancas. Certamente, conviver com os privilégios e as microagressões não ajudam em nada a melhorar seu dia a dia. Mas algo de extraordinário acontece e pode significar a mudança dessa realidade. Certo dia, ela chega no escritório e descobre que uma outra garota negra foi contratada pela editora.
Hazel-May McCall é a “candidata” perfeita para Nella se aliar nesse universo. E isso de fato acontece, até que as coisas começam a mudar. Nella percebe que Hazel se integra à Wagner de uma maneira diferente. Sem falar que ela parece ter acesso fácil aos chefes da editora. E quando Nella pensa que nada pode piorar, ela começa a receber bilhetes anônimos em que alguém pede que ela deixe a editora. E agora?
UMA HISTÓRIA QUE VAI ALÉM DO RACISMO
Do título à sinopse, é fácil pensarmos nessa história como uma história simplesmente relacionada ao racismo. Mas a proposta de Zakiya Dalila Harris vai além. Ela consegue unir o drama envolvendo a questão de privilégios, racismo estrutural com o suspense, criando elementos do gênero. E isso logo de início, ao apresentar um prefácio que dá pistas da direção que ela vai seguir.
Contudo, devo afirmar que ela não construiu tudo isso muito bem. No meu ponto de vista, faria muito mais sentido se ela focasse em uma determinada linha narrativa sem misturar muito os gêneros. Ou então, que trabalhasse melhor nessa construção sem deixar pontas soltas no final. Porque é isso que acaba acontecendo para o leitor. E a discussão da história em si acaba se perdendo.
Enfim, ao longo da história, conhecemos outras protagonistas, também negras. Elas vão construindo a história principal em que Nella está envolvida em relação à Wagner Books. É a partir delas que a autora contextualiza a história principal, nos levando ao clímax do livro. E, bem ou mal, Zakiya faz tudo isso com uma escrita fluída, inclusiva e instigante. Mas que eu não destaco muito além disso.
RACISMO E PRIVILÉGIOS EM EVIDÊNCIA EM “A OUTRA GAROTA NEGRA”
Se “esquecermos” um pouco do suspense e das tramas paralelas, conseguimos ver mais claramente o ponto principal do livro. Ou seja, o debate sobre privilégio branco, microagressões que os negros ainda sofrem e, claro, o racismo estrutural dentro de grandes empresas. Sem dúvida, a autora consegue desenhar tudo isso de maneira clara e evidente. E é aí que sua escrita ganha força e consegue se destacar.
Nesse ponto, a autora reserva as primeiras páginas para expor a situação em que vive Nella como a única funcionária negra na editora Wagner. E ela joga todas as cartas, seja sobre as situações típicas que negros vivenciam, seja no papel da literatura em debater sobre o racismo e uma narrativa inclusiva adequada – e não algo apenas para cumprir tabela. E essa explanação é importante para entendermos o ambiente em que estamos inseridos.
(PEQUENO SPOILER) A trama em que Nella acaba se envolvendo é simplesmente agonizante. É como tentar fechar os olhos para tudo o que acontece. E isso por pessoas negras. Porque, na visão delas, ignorar todos os problemas relacionados ao racismo parece ser a melhor solução. E eu não consigo ver como isso pode ser real, mas acontece. Não é incomum pessoas negras fecharem os olhos e negarem (ou escolherem negar) que existe racismo.
O PAPEL DO MERCADO EDITORIAL
Sem dúvida, é muito interessante ler sobre o mercado editorial dentro de um livro. E a autora consegue nos colocar dentro desse contexto muito bem, nos apresentando como esse mundo funciona, como ele também pode ser cruel. E usando a questão racial a favor da narrativa, como pano de fundo dos problemas do mercado editorial. Não é de hoje que se discute sobre a necessidade de esse mercado ser mais representativo.
Particularmente, gosto quando esses dois “universos” se encontram dentro do livro. Quero dizer, questões relacionadas ao mercado editorial e os problemas que são presentes nesse meio, historicamente. E o mais interessante é que a autora consegue transformar Nella em uma personagem da “vida real”. Afinal, o que ela vivencia na editora não é novidade nesse ou em outros meios. É a mais pura realidade, infelizmente.
AS PONTAS SOLTAS DE “A OUTRA GAROTA NEGRA”
Ao terminar o livro, fiquei com um sentimento de decepção, pois parece que o livro não acabou. Isso porque ficaram muitas dúvidas. Algumas pessoas podem dizer que a autora abre espaço para uma continuação, mas não vejo como. E são coisas que precisariam ser respondidas aqui para que tudo fizesse mais sentido. Sinto que nem tudo foi bem amarrado pela autora.
Inclusive, nesse ponto de vista, também me preocupo se talvez o livro não reforce certos estereótipos. Me desculpem, mas quando lemos uma história como essa, é impossível não esperar que as coisas tomem um rumo diferente do que estamos acostumados a ver na vida real. Eu sei, são apenas expectativas. Mas não deveria ser diferente? Me parece que a autora se preocupou mais em evidenciar o suspense da história e acabou se perdendo.
Contudo, Hazel talvez seja a personagem que começou com mais perguntas do que respostas, mas que depois “se revelou”. Afinal, ela é uma personagem enigmática e não é possível defini-la até metade do livro. Nesse ponto, é difícil saber exatamente o papel dela. E a autora a coloca de uma forma que chega a confundir o leitor mesmo. E só depois é que conhecemos quem de fato ela é. Não deixa de surpreender, devo admitir.
PARA CONCLUIR…
Certamente é um livro surpreendente, nada do que eu esperava, mas é decepcionante. Não sei, acho chato me basear em expectativas, mas creio que isso acontece com todo leitor. Talvez um editor, como nos livros, precise ser mais crítico. O leitor é mais emocional. Eu acho que ela finalizou o livro com um ar de “pode ter mais”, e meio misterioso, bem estilo thriller. Nesse sentido, foi bom. Mas tipo, “ficamos por aqui, tchau, obrigado”?
Na verdade, o fim parece quase um atalho que a autora pega, sem muito sentido, para encurtar o caminho. Ela poderia ter construído melhor essa conclusão, no meu ponto de vista, sem fantasiar demais. Além disso, não é uma escrita surpreendente, ainda que consiga manter o leitor intrigado. Prefiro ficar com a discussão que ela traz, e com a vontade de lutar por uma realidade diferente descrita pela autora.
Enfim, é isso, pessoal. Como disse, é ruim me basear em expectativas, mas eu esperava muito mais desse livro. Contudo, creio que ele seja uma porta aberta para uma discussão mais aprofundada sobre os problemas no mercado editorial, em grandes corporações e no combate ao racismo e aos privilégios. Só posso esperar que a mensagem final da autora seja de esperança. Ela é a última que morre, afinal…
Espero que tenham gostado dessa resenha e até a próxima!
Ficha técnica
A outra garota negra
Autora: Zakiya Dalila Harris
Páginas: 384
Editora: Intrínseca/Intrínsecos
Ano: 2021
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