Resenha A Dança da Água – Ta-Nehisi Coates

Olá pessoas! Cá estamos nós para começarmos mais um mês com o pé direito! E a resenha de hoje é de “A Dança da Água”, de Ta-Nehisi Coates, livro da caixa de julho do Intrínsecos e que em breve chegará para todo mundo. Aproveite a leitura:

Século 19, Virgínia (EUA), pré-Guerra Civil. As coisas já não vão tão bem em Lockless, propriedade de Howell Walker. E ele precisa de um substituto, muito em breve. Mas Maynard, seu legítimo herdeiro, não tem essa propriedade. E o outro filho de Walker, Hiram, também não pode assumir esse papel. Afinal, é um filho ilegítimo e escravo, ou Tarefa. E é sua jornada que o autor nos conta, a partir do momento que é chamado para trabalhar na propriedade dos Walker.

Acho que de início é preciso dizer que essa não é uma leitura fácil, apesar de a narrativa não ser complexa em termos de originalidade. É sobre a escravidão, mas com toques de fantasia que complementam a obra. Isso porque Hiram é um Condutor e, junto de sua memória fotográfica, possui o poder de se transportar de um lugar para outro em segundos.

Mas isso não é claro logo de início, e daí vem a parte de não ser uma leitura fácil. Porque antes de chegarmos ao cerne do que o autor quer de fato contar, ele primeiro mostra a rotina do garoto Hiram, sua ida à casa-grande trabalhar com o “pai” e o “irmão”, seu papel como Tarefa/escravo. Até que as coisas vão se desenvolvendo, nos levando aos ensejos de Hiram enquanto pessoa que não é dona da própria vida. Seu desejo de se libertar.

É uma visão diferente de um assunto como a escravidão. Com elementos fantásticos, o autor narra a história de um escravo, em outras palavras, um Tarefa ou Tarefeiro, em busca dessa liberdade – e algo mais. Mas também sua descoberta sobre esse poder, e como ele pode ser, de fato, libertador – e não apenas para ele. Mas toda essa jornada é, também, escrita de forma a refletir a dualidade da escravidão, esse contraste entre a vida de um escravo e a vida de um senhor, ainda que o foco seja os Tarefas, no papel (principalmente) de Hiram.

Por tudo isso, é uma narrativa um tanto quando densa, quando conhecemos Hiram e o universo ao qual ele está inserido. No entanto, ao passo que é uma narrativa densa, ela é intensa. Ao descrever os horrores que os escravos tiveram que viver, o autor consegue nos fazer sentir a dor deles e, ao mesmo tempo, a força que os movia a continuar. É um retrato da escravidão dentro de uma narrativa muito simbólica.

Mas o mote da narrativa, em si, começa mais próximo da segunda parte do livro, quando já passamos das 100 páginas. Antes, é mais esse retrato do cotidiano dos escravos, e os senhores da “elite”, os da Qualidade.

E dentro desse contexto, levando em conta a memória incrível de Hiram, é preciso destacar um ponto: quando Hi vai trabalhar em Lockless, um dos pontos que talvez vai me marcar pra sempre é como esse simples “poder” se torna entretenimento e atração para os convidados do seu pai para uma festa. E me marcou esse momento pelo fato de Hi não necessariamente se sentir dessa forma, como uma “coisa”, mas por, de alguma forma, se transformar em um resquício de orgulho para o pai. Ele fez o que tinha que fazer, e conseguiu cumprir sua tarefa, que também consistia em servir aqueles da “Qualidade”.

A relação de Hiram com o pai é um tanto quanto marcante. É como se víssemos, aos olhos de Hi, o orgulho que o pai sentia desse filho ilegítimo, mas que não podia demonstrar como queria. Mas, ao mesmo tempo, como podia escravizá-lo de maneira muito rápida, pois esse era o papel deles. Hiram era um escravo e o pai era seu senhor. E Hi sabe disso. Tanto que um momento que me deixou surpreso foi o fato de considerar, já “livre”, voltar a ser um Tarefa, simplesmente porque era a vida que estava acostumado.

Mas é quando ele tenta fugir que as coisas começam a tomar forma mesmo. É também quando o próprio Hiram começa a perceber o poder que ele tem, a Condução. De início, pensei que esse seria o mote do livro. Mas vi que foi jogado mais para segundo plano, sendo mais bem desenvolvido no final, que é quando a história de fato “começa a andar”, no sentido de agilidade narrativa, e a leitura flui mais facilmente.

Em outras palavras, a narrativa é surpreendente, ainda que eu tenha sentido dificuldade no início. Os momentos de sofrimento dos escravos, as dores que eles sofrem, são tão bem descritas que quase nos marcam junto. E isso é realmente absurdamente cruel e nos deixa revoltados, mesmo sendo ficção. Mas porque sabemos que eram coisas como essas, ou piores, que faziam de fato com os escravos – aqui, nos EUA, em qualquer lugar.

Não havia distinção. Os “de cor”, os negros, eram inferiores aos olhos dessas pessoas. E é nessa narrativa que o autor nos coloca no lugar dessas pessoas, ou das pessoas que, até hoje, sofrem preconceito pela cor da pele. É quando conseguimos ter, tão intensamente, o sentimento de empatia – e como ele é importante para sermos pessoas melhores.

Acho que essa é a principal “lição” que se eu consegui absorver dessa leitura. Pois através de personagens emblemáticos e apaixonantes, conseguimos ter uma ideia do que foi a escravidão e o que é ser “diferente” nesse momento. É o próprio poder de Hiram que o torna tão distinto, tão importante, a ponto de ser um protagonista importante dessa busca pela liberdade, pela revolução, por mudanças e por um mundo mais igualitário – coisas que até hoje lutamos.

E é isso. Pode ter sido uma leitura “difícil”, mas “A Dança da Água” é um livro intenso e muito significativo para os dias atuais. Vale muito a pena a leitura e fica aqui minha recomendação. Espero que tenham gostado da resenha e… até mais!

Ficha técnica

A Dança da Água

Autor: Ta-Nehisi Coates

Páginas: 400

Editora: Intrínseca/Intrínsecos

Ano: 2020

Onde comprar: Amazon (físico) | Amazon (e-book)

Por Douglas Oliveira

Jornalista, leitor voraz e apaixonado por música. Fantasia ou thriller são as escolhas preferidas, mas gosta de se aventurar em toda leitura que o faça sair da zona de conforto.

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