Olá pessoal. Decidi escrever essa resenha de uma forma diferente. E decidi publicá-la hoje pois neste dia 26 de junho é celebrado o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura. Assim como Matheus marcou um encontro crucial nesta data, em 2016. Espero que aproveitem a leitura.
Ao som de “Cálice”, de Chico Buarque e Milton Nascimento, eu iniciava e terminava a leitura de “Em nome dos pais”, de Matheus Leitão. Assim como a música, eu só “soube” desse livro no ano passado, até que o comprei. Desde que tinha lido sobre, ainda mais pelo autor ser filho da jornalista Míriam Leitão, pensei: preciso ler esse livro. E, como a música de Buarque e Nascimento, o livro de Leitão é uma viagem à história do Brasil, mais precisamente, do regime militar.
E a obra “nada” mais é do que a busca de um filho para entender o passado da vida dos pais, Marcelo Netto e Míriam Leitão, vítimas da ditadura militar e do seu terrorismo praticado por 21 anos, a partir de 1964, quando aconteceu o golpe. O livro “Em nome dos pais” é resultado de uma série de investigações, entrevistas e outros mecanismos para chegar à verdade, começando pelo delator de dentro do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), que resultou na prisão do casal, e outros militantes, na década de 70, ponto de partida da história de Matheus, que entrelaça presente e passado.
Os relatos do autor começam com ele contando como começou a ouvir palavras como “perseguição” e “prisão”, quando ainda era pequeno, proferidas pelos pais, aos sussurros. A palavra “tortura” só veio depois… mas esse é o início, como aquilo acabou se tornando uma missão para ele, ao longo dos anos, a partir de algumas conversas com o pai, com aquilo que conseguia “pescar” antes de o pai, principalmente, dar por encerrada a rememoração do passado – ainda mais um tão marcante, mais pela violência, mas também pela resistência a um regime totalitário.
Matheus Leitão mostra a ditadura enquanto conta a história dos pais, a partir do que ouviu e investigou ao longo de anos. Isso, somente, já mostra uma profundidade enorme do livro, com uma carga emocional e ao mesmo tempo um capítulo da história do Brasil sendo contado, diferente dos livros de história, por exemplo.
Para tanto, ele reconta como foi uma das frentes da esquerda na luta contra a ditadura, nesse caso, em Vitória (ES), berço do pai Marcelo, e depois de Míriam – e mais de 40 anos depois, destino do próprio Matheus em busca da verdade. E esse é apenas um capítulo desse período perturbador, que muitos hoje pedem a volta ou o chamam de revolução – até porque esses não sentiram na pele o que foi o regime.
Em certos momentos, o autor chama seus pais pelos respectivos nomes, narrando suas ações. Para mim, isso representa uma tentativa de se afastar da história, tentar ser o mais “imparcial” possível, mas ainda assistir relatar o que seus pais viveram. Então há um diálogo interessante entre a história e o emocional, e a pessoalidade, se é que me entendem. E ainda assim foge do subjetivismo, porque há a história e os fatos.
Há partes mais densas para ler e outras mais instigantes, com diálogos. Sendo um livro de memórias e sobre um assunto tão forte como a ditadura, principalmente todos os horrores dela, é de se imaginar que será uma leitura mais “devagar”. O que não é em nenhum ponto negativo. E essa é minha leitura. Para outras pessoas pode ser diferente. Mas há algo nesse livro que se aproxima muito de uma estrutura narrativa de um romance, e isso ajuda muito na leitura.
O autor consegue equilibrar muito bem ao contar a história do pai, contar a história da mãe e contar parte da história da ditadura, revelando nomes e protagonistas daquele tempo – como o tal delatador e militares que teriam participado da tortura dos pais. Aliás, acho que esse é o ponto principal da obra. É a busca de Matheus pela verdade, iniciando por Foedes, o delator, seguindo pelo capitão Guilherme e outros militares. Há diálogos emocionantes e reveladores, em ambos casos.
Aliás, eu me emocionei muito lendo essa obra. Em diversos momentos, senti certa angústia, conhecendo os fatos ao mesmo tempo que Matheus… e o que mais me marcou é que uma das partes mais emocionantes foi, justamente, a conversa do jornalista com um militar que estava lá na época que Míriam e Marcelo foram presos – e torturados. Esse trecho foi o mais sensível, na minha visão.
Outro ponto importante é que Matheus Leitão nos mostra um pouco do seu trabalho jornalístico, e também como era ser jornalista na época dos pais, aos 20 e tantos anos, a partir dos relatos de Míriam, principalmente. O trabalho da imprensa, que sofria censuras à todo instante. E consigo me colocar no lugar deles, confesso. Me vi lá, tendo sensações parecidas, tentando lidar com tudo isso. Espero não termos que lidar com isso novamente.
Ou seja, ao passo que é uma obra que nos mostra apenas um capítulo da história, é uma aula de jornalismo investigativo, que resultou nesse livro. Há os relatos de tortura, física e psicológica, como agiam os militares na época, a volta às prisões, sem falar na “casa da morte”, cenário de crueldades inimagináveis. E há métodos jornalísticos que o levaram às suas descobertas – como o jornalista precisa agir, certos momentos, para chegar à verdade, ainda mais uma que é parte da vida dos seus pais.
Ao finalizar a leitura, me pego pensando no trecho de “Cálice”, que toca ao fundo: “Como é difícil acordar calado; Se na calada da noite eu me dano; Quero lançar um grito desumano; Que é uma maneira de ser escutado; Esse silêncio todo me atordoa; Atordoado eu permaneço atento; Na arquibancada pra a qualquer momento; Ver emergir o monstro da lagoa”. O que fica disso tudo, tomara, é a lição de que nenhum regime totalitário é saudável. E Matheus Leitão consegue deixar isso muito claro. Que seu livro seja exemplo, da busca pela verdade, mas também para nos lembrar do nosso passado sangrento.
Ficha técnica:
Em nome dos pais
Autor: Matheus Leitão
Editora: Intrínseca
Ano: 2017
448 páginas
Que belo texto. Também não conhecia o livro e, agora que conheci, fiquei com vontade de ler. Obrigada!
Poxa, muito obrigado. Que bom que gostou! Leia sim, eu indico, e me conte o que achou. Obrigado!