Olá, pessoas da Terra, tudo bem? Hoje quero falar com vocês sobre o livro “Hamnet”, de Maggie O’Farrell. A obra, ainda inédita no Brasil, foi enviada aos assinantes do intrínsecos em julho (2021). Já premiado, o livro recria a história que, em teoria, originou a tragédia de Hamlet, de William Shakespeare (1564-1616). Então, espero que aproveitem a leitura dessa resenha.
A HISTÓRIA DE “HAMNET”, DE MAGGIE O’FARRELL
Poucas informações sobre a biografia de William Shakespeare resistiram ao tempo. Filho de um luveiro caído em desgraça em Stratford-upon-Avon, uma pequena cidade da Inglaterra, ele se casou com uma mulher mais velha, detentora de um generoso dote. Apesar de duradouro, o matrimônio foi marcado pela distância imposta por seu trabalho e pela morte precoce de um filho, ocorrida em uma época em que a Europa era acometida por surtos de peste bubônica.
Com base nessas e outras referências históricas, Maggie O’Farrell cria a trama protagonizada por Agnes, uma mulher excêntrica e selvagem, que tinha o hábito de caminhar pela propriedade da família com seu falcão pousado na luva, além de possuir dons extraordinários como prever o futuro, ler pessoas e curá-las fazendo uso de poções e plantas. Após o casamento com um professor de latim, ela se tornou uma mãe superprotetora e a força centrífuga na vida do marido, que seguiu pra Londres, onde consolidava sua carreira como dramaturgo. (Fonte: intrínsecos)
UMA NARRATIVA SURPREENDENTE
Bom, devo começar falando que, por essa sinopse, pode dar a impressão de ser uma história densa e de difícil leitura. Mas acontece exatamente o oposto. Logo de início a leitura flui, mesmo com poucos diálogos. A autora cria uma narrativa curiosa, presente em suas palavras, que impulsiona o leitor a consumir essa história com pressa. Então, é uma ótima surpresa o início desse livro, e o restante da construção não é diferente.
Falo da história em si, mas também da escrita da autora. Ela consegue trazer uma escrita envolvente e cheia de detalhes de tudo o que envolve as tramas, que retratam bem do século 16. Sem dúvida, ela consegue nos colocar neste contexto. É um romance histórico, por definição, mas que flerta com o imaginário. E creio que isso também esteja relacionado aos fatos históricos dessa família.
De qualquer maneira, todos esses elementos transformam a história em algo bem diferente de tudo o que há hoje em dia na literatura (estrangeira ou nacional). Juntos, os elementos que formam essa obra a tornam única. E, novamente: de início, pode dar a impressão de uma leitura complexa. Mas não é, definitivamente. E é uma bela história.
É muito curioso como essa leitura flui. Mesmo com capítulos longos e poucos diálogos – sem falar nas vezes que os diálogos se confundem com a narração (em terceira pessoa). Mas é incrível como a autora cria no leitor uma necessidade de consumo por essa história. Como ela cria essa vontade de conhecer todos os detalhes das vidas desses personagens.
OS MUITOS PROTAGONISTAS DE “HAMNET”, DE MAGGIE O’FARRELL
Apesar de levar o nome de Hamnet, filho de Agnes e ponto central do livro, é uma obra de muitos protagonistas, com foco nos personagens, suas histórias, suas características. É isso que move a história de Maggie. Seus personagens tão emblemáticos. Criados em sua mente, mas baseados na realidade. Isso é realmente incrível, principalmente a forma como ela os descreve.
Maggie não cita William Shakespeare nominalmente, apesar de ele ser “O marido”, “O pai”, “O cunhado”. Obviamente, isso foi intencional (pelo menos é o que creio ser óbvio). Mas o fato de sabermos isso, de sabermos que esse personagem existiu, é o que torna a história ainda mais rica, mais instigante de ler. E esse “mistério” sobre a identidade desse “pai”, “cunhado”, “marido” não é algo que prejudica a história em momento algum, mas é bem inteligente.
A RIQUEZA DE DETALHES
Outro aspecto da escrita da autora que descreve bem essa riqueza de detalhes, é a parte em que Maggie reconta com detalhes o caminho da doença que chegou à casa da família de Agnes, e todas as consequências disso. É a tal peste bubônica, descrita com uma maestria de surpreender. Fiquei de boca aberta depois de terminar de ler o capítulo. E só no final percebi como eu segurava a respiração enquanto ela descrevia o caminho das pulgas.
E aí, acontece o que já era anunciado, o que já era esperado, e que não era “novidade”. Contudo, o sentimento que domina o leitor é o fato de que não queremos que isso se torne realidade. Que talvez a autora mude o destino dessa família. E a partir daqui tem spoilers da história (você foi avisado!). A cena (porque se transforma em uma cena na nossa cabeça) da morte de Hamnet é extremamente bem-escrita e emocionante. Me fez chorar horrores, pelo menos.
Nesse ponto, o luto toma conta de todos nós: personagens e leitores. E acho que da autora também, porque eu acho impossível descrever o que acontece depois disso sem sentir esse mesmo luto. E esse sentimento é necessário, o que também nos deixa uma lição importante sobre perda e como lidar com uma que acontece de forma tão repentina e precoce.
A RECONSTRUÇÃO DA VIDA
A partir da perda e do luto, parece que inicia-se uma nova história. Contudo, Maggie começa a reconstruir esses personagens e suas vidas, tentando superar aquilo que ficou para trás. E essa nova fase do romance é realmente interessante e importante. Realmente, parece um outro livro, dentro daquele que estávamos lendo. Mas, ainda, assim, é parte da mesma história, tão intensa e profunda quanto todo o restante.
A conclusão da história é do jeito que tinha que ser. E é interessante como tudo “termina” no teatro, nos palcos, enquanto Hamlet acontece. O que mais torna esse livro vivo é essa referência à peça. Obviamente que conheço, mas nunca busquei informações sobre, ou me aprofundei em quem foi Shakespeare e Hamnet. É a história sendo recontada, com um pouco de “liberdade literária”.
ENFIM, “HAMNET”, DE MAGGIE O’FARRELL É UMA HISTÓRIA QUE CATIVA
Essa é a melhor descrição que posso dar desse livro: cativante. Do início ao fim, é difícil não ser conquistado pela escrita de Maggie e por essa história tão envolvente. E realmente espero que vocês também leiam essa obra, apreciem a escrita dessa autora e a narrativa criada. Ver (e ler) toda essa construção é realmente incrível. Sem dúvida, esse livro tem um lugar de destaque nas minhas leituras recentes.
Não se enganem, essa é uma obra de ficção e, nas palavras da própria autora, produto de suas próprias especulações. Mas isso não retira a força da obra, nem a importância dela no contexto da literatura moderna. E ela consegue, através de tudo isso, narrar a jornada de uma mulher excêntrica e à frente do seu tempo, de um casamento fora dos padrões, e do amor de pais para filhos e entre irmãos.
Enfim, galera, é isso. Confesso que achei difícil escrever essa resenha, porque, apesar de ter amado a leitura, não consegui encontrar a melhor forma de analisar a obra. Mas espero que vocês tenham gostado. Deixem a opinião de vocês aí nos comentários, por favor. Obrigado e até a próxima!
Ficha técnica
Hamnet
Autora: Maggie O’Farrell
Páginas: 384
Editora: Intrínseca/Intrínsecos
Ano: 2021
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