Resenha: Lua no céu de Cabul - Nadia Hashimi

Olá, tudo bem? Terminei de ler recentemente “Lua no céu de Cabul”, de Nadia Hashimi, e a história está tão viva na minha mente que precisava escrever sobre ela. É uma narrativa emocionante e ao mesmo tempo instigante. Então, espero que aproveitem a leitura da resenha desse livro, que é o segundo de Nadia lançado no Brasil, ambos pela Editora Arqueiro. Enfim, confiram:

A HISTÓRIA DE “LUA NO CÉU DE CABUL”, DE NADIA HASHIMI

Fereiba é uma afegã que vive feliz com o marido, o engenheiro Mamude, e seus filhos. Contudo, essa vida, que ela demorou para conquistar, já não é mais possível. Isso porque o Talibã acaba de assumir o poder e, no meio dessa guerra, tudo implode. Mamude é assassinado, e Fereiba é obrigada a fugir de seu lar com os três filhos, entre eles, um bebê.

O destino dela é a Inglaterra, para onde uma parte de sua família já havia fugido algum tempo antes. Mas para chegar lá, ela deverá atravessar a Europa com documentos falsos e contando com a bondade de algumas pessoas – e a maldade de outras. Quando finalmente chegam à Grécia, o pior acontece. Salim, o filho mais velho, some. E ela precisa decidir se segue em frente, deixando o filho no submundo dos refugiados.

“O Talibã era bruto, religioso e agressivo. Nós os víamos pelas janelas e ouvíamos seus discursos. (…) Estávamos todos desesperados pela paz, e era a paz o que eles prometiam”. (Página 94)

UMA EXPLICAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA

Sem dúvida, o ponto alto desse livro é a história em si. A escrita da autora, claro, se destaca. Caso contrário, ela não entregaria uma história tão emocionante e tão necessária. Mas vamos com calma. Primeiro, é preciso explicar que Nadia começa a obra narrando a trajetória de Fereiba, da infância até a vida de casada. Esse período é marcado por uma série de acontecimentos que moldam quem é a Fereiba que se torna uma refugiada.

Nesse início, a autora narra a perda da mãe de Fereiba, o fato de ela ter que lidar com a madrasta que não fazia esforços para ser uma mãe para ela, o amor e a decepção amorosa, ter de viver com os costumes afegãos da época, subjugada por ser mulher e não ter mãe, o casamento, os filhos e aí as coisas de fato começam a acontecer. Mas só aí se vão 100 páginas, um terço do livro.

É importante que se diga que há uma transição entre a preparação de vida de Fereiba para a mulher que precisa lutar pela vida. As coisas vão acontecendo num certo ritmo e de repente a autora acelera um pouco para chegar ao foco. De certa maneira, esse começo é importante para, quando chegarmos ao fim do livro, percebermos quem é essa Fereiba, quem ela se tornou e de onde vem sua força. Porque ela é sinônimo de garra, força e amor.

A NARRATIVA E A ESCRITA

A escrita de Nadia é a delicadeza e a força que já conhecemos do seu primeiro livro. Nem tanto prática ou objetiva, mas ainda assim a leitura flui rapidamente na medida que nos mergulhamos na história. E ela consegue nos fazer sentir estar lá naquele cenário, sentindo aqueles cheiros e gostos. Vivendo a tensão de um país que se transforma e passa a causar o terror – em nome de Deus.

Fereiba é a principal narradora, em primeira pessoa, da história. Depois, começamos a dividir essa jornada com a visão de Salim, filho de Fereiba, que precisa lidar com o fato de que é o “homem” da família, mesmo ainda sendo uma criança. E essa introdução da perspectiva de Salim é importante para dar um outro rimo pra história, dar gás e manter a história consistente com tudo o que já conhecemos.

Quando ela insere a narrativa na perspectiva de Salim, ela evidencia outro lado da guerra. O que ela faz com a infância e com um garoto que é obrigado a trabalhar para conseguir alguns trocados para a família. É como um roubo da infância e da adolescência de Salim. É, também, o trauma tomando conta da vida dele. E isso é muito bem explorado pela autora, de forma incisiva, mas delicada.

Na minha perspectiva, há dois tipos de escritas. Aquelas que se destacam pela linguagem, pela forma de construir a história e os personagens. E aquelas em que isso fica em segundo plano e somos mergulhados na história. Aqui acontece isso. Ela nos insere na história completamente, e pouco percebemos como ela é construída. Pra mim, isso é raro, e demanda talento (e amor) na escrita.

“LUA NO CÉU DA CABUL”, DE NADIA HASHIMI, DÁ VOZ A MILHARES DE PESSOAS

O que mais me encanta nesse tipo de história que relata esses personagens da vida real é exatamente a proximidade com a realidade. É como dar voz para pessoas que precisaram de fato passar por coisa parecida ou pior. E hoje, mesmo com o mundo avançado, a internet, ainda vivemos afastados dessa realidade. Sabemos que o problema existe, mas são eles lá e nós aqui. E não vemos perspectivas de mudança.

Hoje os nomes podem ser diferentes, as guerras podem ter mudado, mas, em essência, é o mesmo de sempre. E Nadia consegue nos inserir nessa realidade brutal. Sem dúvida, ela tem sucesso em dar voz aos refugiados e a todos aqueles que buscam um lar. E ela também nos ensina como há várias definições para o que é realmente um lar. Na voz de Fereiba e Halim, ela nos evidencia que lar, mesmo, é estar com quem amamos. Mesmo afastados.

UMA ESPERANÇA?

Certamente, um outro ponto de vista dessa narrativa é a forma de tentar nos trazer esperança. Primeiro, para que essas pessoas sejam ouvidas, tenham um lar que não os odeie ou os mate. Mas também é uma forma de dizer que há esperança por dias melhores, ainda mais agora, em tempos de pandemia. Ao fim dessa obra, eu me senti esperançoso. E eu também acho que isso é papel da literatura, ficção ou não.

O final desse livro é um pouco diferente do que estamos acostumados. E acho que a decisão da autora em finalizar assim sua história, foi certeira. Nem todo mundo pode gostar, e eu batalhei muito, internamente, para realmente entender sua decisão, mas acho que faz todo sentido. E acho que ela também consegue deixar para nossa imaginação o futuro dessas pessoas. Eu pelo menos tenho imaginado várias coisas…

Enfim, espero que tenham gostado dessa resenha. “Lua no céu de Cabul”, de Nadia Hashimi, é uma história comovente, necessária e surpreendente, e que se destaca pela força de seus personagens. Portanto, fica aqui minha indicação para que vocês também leiam esse livro e conheçam Fereiba e sua força. Com certeza vale a pena. Até a próxima, pessoal!

Ficha técnica

Lua no céu de Cabul

Autora: Nadia Hashimi

Páginas: 368

Editora: Arqueiro

Ano: 2021

Onde comprar: Amazon (físico) | Amazon (e-book)

Por Douglas Oliveira

Jornalista, leitor voraz e apaixonado por música. Fantasia ou thriller são as escolhas preferidas, mas gosta de se aventurar em toda leitura que o faça sair da zona de conforto.

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